sábado, 27 de fevereiro de 2010

O ENIGMA DE KASPAR HAUSER

A linguagem é fundamental para que o homem se efetive enquanto tal?
Qual o papel da linguagem?
Um filme pode suscitar, dentre estes, outras séries de questionamentos...


O filme é o relato verídico sobre Kaspar Hauser, um homem que teve a vida ineira trancada, sem ter qualquer tipo de contato social. Sua origem era um mistério quando chegou em uma cidade na Alemanha do século XIX.

O inicio mostra-o acorrentado em um tipo de cela, sem nem um traço de comportamento humano, onde, apenas, brinca com um cavalo de madeira. É alimentado por um homem misterioso que o ensina a pronunciar a palavra cavalo e a escrever o proprio nome, para depois, abandoná-lo com uma carta que o põe aos cuidados de um militar do vilarejo.

Hauser torna-se, então, alvo de curiosidade dos moradores perplexos que o ensinariam coisas básicas do entendimento humano: a andar, a comer, a falar; o que aprendia com muita facilidade; diferente de quando é incitado a compreender as convenções da época, como às ligadas ao comportamento social e à religião, pois não teve uma trajetória de vida que o levaria ao poder de abstração simbólica, adquirida pelo acúmulo de experiencia e convivio social. Era orientado a seguir os costumes da sociedade, algo que não conseguia adaptar-se. Principalmente, por encontrar-se num tempo histórico preso a uma perspectiva positivista, uma visão de que havia um modelo de civilização e de desenvolvimento a ser alcançado pelo homem “dito civilizado”, do contrario seria classificado como primitivo, necessitando de ajustes, caso de Hauser. Vê-se a partir daí, na leitura de Herzog, um choque de culturas, uma inversão de papéis, sobre, qual lado estaria sendo mais invasivo para o expectador do filme.

Este comportamento demonstrava, à sociedade, a linha tênue que se pode ter entre o animal e o homem, desde que este seja privado do convivio entre seus “iguais”. Em contrapartida Hauser é dócil, gentil e emana um estado de pureza e inocencia, próprios dos recém-nascidos, abstraindo deste estado a maxima de Jean-Jacques Rousseau. Seria o homem bom por natureza, e a sociedade que o corromperia?

Ao ser “apresentado aos mistérios da fé”, refuta-se em reconhecer a origem da criação divina: “não consigo imaginar que Deus do nada criou tudo”. Vale dizer que isto põe em xeque o sentido de estado natural hobesniano, pois é atribuído a Hauser um raciocínio lógico e questionador, estando mais consciente de razão que os demais cidadãos “cultos” a sua volta, que diziam em resposta: “deve admitir os mistérios da fé sem procurar entender”. Em contrapartida, ao ser feita a autópsia de seu cérebro, notou-se um desenvolvimento de massa encefálica sobrecomum em determinadas partes, objetivando, assim, sua capacidade cognitiva superior...

Grande parte dos questionamentos a seu respeito, era feita sobre a experiência em cativeiro ao que respondia ser “melhor que a vida fora dele”, por não ver de forma objetiva este interesse, retrucava: “a única coisa interessante em mim é minha vida”.

Também o tocava a capacidade de sonhar, algo que não lhe acontecia anteriormente, o que, de forma racional, relacionava a sua vivencia atual, edificando o aguçamento de suas percepções a partir do momento que passa a diferenciar sonho de realidade. Traz à tona a psicologia junguiana que associa o sonho e a realidade, linguagem essencialmente humana, advinda das referencias e associações.

A pesquisadora Maria Clara Saboya, em seus estudos sobre o caso, defende que:
"Os objetos não eram percebidos por K. Hauser da forma como a prática social definia previamente, ou seja, K. Hauser estava despido dos "filtros" e estereótipos culturais que condicionam a percepção e o conhecimento. Tais "filtros" ou estereótipos, por sua vez, são garantidos e reforçados pela linguagem. Assim, o processo de conhecimento da realidade é regulado por uma contínua interação de práticas culturais, percepção e linguagem".

Friedrich Nietzsche quando tenta explicar, sob forma de aforismos, a natureza humana, identifica a linguagem como parte da necessidade humana de nomeação, pré-requisito para qualquer tipo de comunicação e do seu próprio estabelecimento quanto tal.
"A importância da linguagem para o desenvolvimento da cultura está em que nela o homem estabeleceu um mundo próprio ao lado de outro, um lugar que ele considerou firme o bastante para, a partir dele, tirar dos eixos o mundo restante e se tornar seu senhor". (p.20)
Como algo tão presente no processo sociabilizante de Hauser para compreender a si próprio e o mundo que o cerca, a linguagem se insere como um sistema simbólico que possibilita a comunicação entre os entre as pessoas, portanto, um requisito para a relação social dos seres humanos, teoria defendida por Saussure, para ele a linguagem é definida como uma faculdade simbólica essencialmente humana; sendo, portanto, produto da razão, que só pode existir onde há racionalidade. A linguagem é, assim, um dos principais instrumentos na formação do mundo cultural, pois é ela que nos permite transcender nossa experiência. E o homem tem na fala, seu principal veículo, seu passaporte para a comunicação.

Filme:



*By Francisca Costa
*Imagem: lápide de Kasper Houser (leia-se: "Aqui jaz um desconhecido assassinado por um desconhecido")
REFERÊNCIAS
BASTOS, Rachel Rangel. Revista Eletrônica veredas: a equivalência nas figuras de retórica. (freud x lacan). http://veredas.traco-freudiano.org/veredas-7/txt-rachel.pdf
NIETZSHE, Friedrich W. Humano, demasiado humano. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
HERZOG, Werner. O Enigma de Kaspar Hauser (Jeder für sich und Gott gegen alle) Longa-metragem, 110 minutos, Alemanha, 1974.
JUNG, Carl G. Memórias, sonhos, reflexões. org: Aniela Jaffé. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
SABOYA, M. C. L. O mistério de Kaspar Houser (1812?-1833): uma abordagem psicossocial. Psicologia USP, 2001.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

THOMAS HOBBES E A SOCIABILIDADE

Existem pensadores cujas obras têm lugares garantidos nos programas de disciplina das universidades. O motivo é óbvio, seus pensamentos continuam atuais ou servem de base para novos pensadores... Até mesmo para discordar devemos ter conhecimento de causa!
Eis mais um "classico"...

Thomas Hobbes (1558-1679), nasceu na Inglaterra na cidade de Malmesbury. De origem humilde destacou-se como o filosofo do absolutismo e é identificado como um dos principais autores jus naturalismo racional presente nos séculos XVI, XVII E VXIII. Escreveu muitas obras políticas de grande importância para uma compreensão do Estado moderno entre as quais podemos citar a obra Leviatã, na mesma explanou sobre seus pontos de vista sobre a natureza humana e sobre a necessidade de governos e sociedades.
“A natureza não colocou no homem o instinto de sociabilidade; o homem só busca companheiros por interesse; por necessidade; a sociedade política é o fruto artificial de um pacto voluntário, de um cálculo interesseiro”.
Hobbes identifica o Leviatã como um personagem mítico, bíblico, uma espécie monstro, o grande hipopótamo descrito no livro de Jó, precisando “que não há poder sobre a terra que se lhe possa comparar”. Mas antes de qualquer análise do texto, devemos fazer a seguinte contextualização: o autor vivia uma época de grande instabilidade política, assim, toda a sua dinâmica foi direcionada na compreensão e busca da paz pessoal, social e políticam, mas, ao analizarmos seu conteúdo, percebemos sua importânica, o motivo ao qual se firma como um classico da literatura universal. Firma-se como uma fonte de argumentações ricas e, ainda, atuais.
No Leviatã ele faz um estudo do comportamento do homem no estado de natureza até o seu encontro com o homem artificial que ele mesmo produz ao imitar a natureza, como também através da arte e, simbolicamente, da estrutura política.
Ele dá corpo à primeira parte da obra, partindo do princípio que quem for exercer o governo sobre uma nação “deve ler, em si mesmo, não este ou aquele indivíduo em particular, mas o gênero humano”, ele examina a matéria e o artífice do homem artificial, isto é, o próprio homem, propondo um novo “conhece-te a ti mesmo”, formulando, então os princípios do ser governante.
Com este intuito, ele classifica o homem em dois seguimentos: o homem natural – pelo pressuposto que acusa serem os homens, no estado de natureza, egoístas, luxuriosos, inclinados a agredir os outros e insaciáveis... Condenando-se, por isso mesmo, a uma vida solitária, pobre, repulsiva, animalesca e breve. Neste estado não existe senso do que é justo ou injusto, nem o que se pode ou não pode fazer porque os homens vivem de acordo com suas paixões e interesses em busca dos seus desejos e por serem desejos semelhantes os homens vivem em constante conflito. Eis o cerne da questão que o liga ao senso de sociabilidade moderna, é este o homem em sua essência, e assim procede através dos tempos até a contemporaneidade. Mas, por uma inclinação racional o homem percebe que não deve querer para os outros, aquilo que não quer para si, e para isso, precisa renunciar aos seus direitos, transferindo-o a um poder irresistível que o conduza e o controle.
Nasce, então, o homem artificial através de um pacto voluntário firmado entre os homens, tendo em vista a própria proteção, a fim de saírem, do instável estado de natureza, para a libertação e salvação. O Estado e seus mecanismos de funcionamento dão corpo ao homem artificial.

A obra se estrutura através das seguintes partes:
DO HOMEM
Nesta primeira parte, o autor faz reflexões abordando conceitos desenvolvidos sobre a natureza do homem quanto sua essência e relações fundamentais para sua formação como ser social. Apresenta, individualmente, os recursos utilizados pelo homem na sua relação com outros homens, tentando compreendê-lo em seus sentimentos, suas idéias, conceitos e reflexões onde podemos observar a aplicabilidade do termo “estado de natureza” para o “estado de sociedade”. Na realidade, Hobbes descreve os processos e mecanismos que movem o ser humano em sociedade, discorrendo-os nos ao logo de dezesseis capítulos.

Em Das sensações, define Hobbes todo o conhecimento do homem se origina nas sensações, o intelecto é apreendido, antes, pelos órgãos do sentido. “não existe nenhuma concepção no intelecto humano que não tenha sido recebida, totalmente, ou em parte, antes, pelos órgãos do sentido” (p.21).
Da imaginação é o outro mecanismo essencial da sociabilidade humana que se sucede. A imaginação para o autor, portanto, é uma sensação diminuída, debilitada, seu declínio, dando espaço à fantasia. Este tema não poderia ser exposto, no sentido mais usual contemporâneo defendendo a imaginação como uma extensão das sensações e estímulos, não sua diminuição?

Para Hobbes, a sociabilidade humana é condicionada a um estado de consciência, quando se propõe uma visão pragmática das coisas; e a um estado instintivo quando se prende a um senso fantasioso, imaginativo, ao afirmar que: “É inerente à condição do homem sábio não acreditar senão em coisas que tiverem sido confirmadas” deste modo o homem desprovido de sabedoria (supersticioso) seria mais facilmente manipulável e menos apto à “obediência civil” (p.27).

"A essa sensação declinante, quando queremos nos referir à coisa em si (à fantasia em si), chamamos imaginação (...), porém, quando queremos nos referir ao próprio declínio, no sentido de que a sensação se atenua, envelhece e passa, chamamos a isso memória. Assim, a imaginação e memória são a mesma coisa (...) dependendo da consideração que devemos fazer." (p.24)

"A imaginação dos que dormem constitui o que chamamos sonhos". (p.25)
"A imaginação produzida no homem (ou em qualquer outra criatura dotada da faculdade de imaginar), por meio de palavras e outros signos voluntários, é o que geralmente chamamos entendimento, comum nos homens e nos animais". (p.28)

Em Da conseqüência ou série de imaginações ele expõe o que se diz respeito à sucessão de pensamentos. O sentido é que “da mesma maneira como não possuímos imaginação, a menos que tenha sido precedida por sensações, em conjunto ou em partes, assim também não teremos transição de uma imaginação à outra se antes não a houvermos tido em nossas sensações” (p. 28)

Para o autor esses pensamentos seguem duas linhas, uma linha de pensamentos despretensiosos, soltos, livres, quanto à sociabilidade, e outra linha de pensamentos regulada, por algum desejo ou desígnio, de onde faz parte a “lembrança, ou evocação da memória”. Esta é a linha de pensamento inerente ao ser humano e que amadurece, ou se alarga com a experiência e dela derivam signos dos quais fazem parte a “previsão” e a “prudência”.

"A mente humana não conhece outras ações além das sensações, dos pensamentos e da série de pensamentos, mas, com a ajuda da linguagem e do método, as mesmas faculdades podem ser aperfeiçoadas até atingir o ponto que permite distinguir o homem das demais criaturas". (p.32)

Hobbes expõe também em Da linguagem o valor que recebe as letras como “perpetuação da memória”, sendo precedidas pela linguagem em: sua origem, importância inventiva, empregos, abusos e referências pessoais ou universais. Ressalta seu sentido interativo, veículo da estruturação social do ser humano.

Conseqüentemente em Da razão e da ciência ele sentencia a razão como a consideração (adição ou subtração) das conseqüências dos nomes gerais ajustados para a caracterização e a significação de nossos pensamentos e a ciência, a conexão total desses elementos.

"A razão não é como os sentidos e a memória, inata ao homem, nem adquirida apenas pela experiência, como a prudência, mas alcançada mediante o esforço: pela adequada imposição de nomes (...) partindo dos elementos, que são os nomes, para chegar às proposições, feitas mediante a conexão de um deles com outros e, em seguida, aos silogismos, que são as conexões de uma afirmação a outra, até chegar ao conhecimento de todas as conseqüências dos nomes relativas ao tema considerado; e é a isso que os homens denominam ciência". (p.44)

Contexto que se reverbera por sentimentos inatos do ser humano, explicitados em Da origem interna e das moções voluntárias, comumente chamadas paixões, e das palavras que as expressa.

"Os seres humanos desejam aquilo que amam, e odeiam coisas pelas quais têm aversão. Assim, desejo e amor é a mesma coisa, só que com desejo, significamos sempre a ausência do objeto e, com amor, sua presença. Assim também, com aversão significamos a ausência e, com ódio, a presença do objeto". (p.47)

O autor perpassa por caminhos que desembocam nas estratégias que o homem utiliza para guiar e se fazer corresponder, numa rede social que se finda nos mecanismos essenciais da política, observáveis em Dos fins ou resolução do discurso. Define os caracteres essenciais dos seres humanos de acordo com seus discursos. “Para todos os discursos governados pelo desejo de saber, existe um fim, que consiste em alcançar ou renunciar algo” (p.55)

A partir de então, nos capítulos subseqüentes ele tenta se fazer compreender, à medida que explicita de forma minuciosa os mais variados signos do comportamento humano, contextualizando-os com exemplos simplórios ou eruditos, visando uma ampla investigação passando por questões que pontuam a virtude em suas naturezas, formas de conhecimento, poder, valor, dignidade, honra, o dualismo entre a felicidade e o infortúnio, o papel das religiões. Questões que ponderam o homem em sua complexidade existencial.

Aborda os mecanismos de percepção do homem sobre a realidade que o cerca, tangenciando, mesmo que de forma superficial, assuntos que seriam séculos mais tarde objetos de interesse da investigação psicanalítica por Sigmund Freud, Carl Jung até Jacques Lacan. O autor analisa segmentos da condição psíquica do homem como o sonho, a imaginação... Fenômenos que movem seus pensamentos e formulando e estruturando suas ações como uma cadeia complexidade.

Esta parte traduz o desenvolvimento das idéias de Hobbes sobre o homem como ser desejante, que se desdobra para aquilo que é sua principal proposição sobre a natureza humana: o desejo do homem pelo poder.

DO ESTADO
Para Hobbes, o homem enquanto estado de natureza vive em uma desordem, em uma guerra de todos contra todos, mas resolve firmar um pacto através do qual seriam estabelecidas regras que seriam controladas pelo Estado e as quais todos deveriam obedecer, surgindo então à sociedade, na qual todos os homens teriam direitos e deveres que deveriam ser cumpridos.

Portanto a sociabilidade em Leviatã possui dois pontos, o lado dos súditos que devem obediência absoluta, através das leis positivas, enquanto as leis naturais são para o soberano apenas regras que este deve observar por prudência.

“O Estado representa então a forma pela qual se pode garantir pacificidade ao convívio humano ante a ameaça de dissolução, de anarquia, de destruição e de retorno ao estado de natureza belicoso” (BITTAR, 2008. P. 167).

Porque para Hobbes, no estado de natureza existe uma igualdade entre os homens, que a partir da criação do pacto, a mesma passa a ser diferente. Existe uma liberdade com muitas limitações para os súditos, e outra bem mais ampla e flexível para o soberano.

O fim último dos homens é a sua conservação e o cuidado com uma vida mais satisfatoria, ou seja, o sair do estado de guerra de toods contra todos. Isso acontece a partir da criação do Pacto que segundo Hobbes, o mesmo tera como finalidade a criaçao de um poder coercitivo que obrigue os cidadãos, por meio do medo e de castigos, a cumprir os pactos socias.

Se existisse um meio através do qual os homens se associassem de forma pacifica sem um poder comum, nao haveria a necessidaade da existencia de um poder superior, o Estado, pois o mesmo tem direito e poder de decisao por todos. Então o Estado assume o controle da sociedade.
“Assim o contrato é fundado, é iniciado, artificialmente pelos homens, mas com consenso de vontades, e é firmado de modo irreversível entre as pessoas e o soberano”(BITTAR, p. 165)

"Diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de homens concordam e pactuam, cada um com cada um dos outros, que a qualquer homem ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu representante ), todos sem exceção, tanto os que votaram a favor dele como os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões desse homem ou assembléia de homens, tal como se fossem seus próprios atos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os outro e serem protegidos dos restantes homens". (HOBBES, p. 61).

"Liberdade significa, em sentido próprio, a ausência de oposição (entendendo por oposição os impedimentos externos do movimento); e não se aplica menos às criaturas irracionais e inanimadas do que às racionais" (HOBBES, p.73).
"Conformemente a este significado próprio e geralmente aceite da palavra, um homem livre é aquele que, naquelas coisas que graças a sua força e engenho é capaz de fazer, não é impedido de fazer o que tem vontade de fazer" (HOBBES, p.73).

"Assim, quando falamos livremente, não se trata da liberdade da voz, ou da pronúncia, e sim do homem ao qual nenhuma lei obrigou a falar de maneira diferente da que usou. Por último, do uso da expressão livre arbítrio não é possível inferir qualquer liberdade da vontade, do desejo ou da inclinação, mas apenas a liberdade do homem; a qual consiste no fato de ele não deparar com entraves ao fazer aquilo que tem vontade, desejo ou inclinação de fazer" (HOBBES, p.73).

Portanto, os homens para manterem-se, formulam através da razão e pactuam entre si as condições que são impostas pelo pacto para manter sua conservação e obter a paz. Através do pacto espera-se que todos sigam os ditames da razão, tendo a certeza de que os outros homens também farão o mesmo.

DO ESTADO CRISTÃO
Do significado da palavra Igreja nas Escrituras
Nos livros das Sagradas Escrituras a palavra Igreja (Eclesia) significa diversas coisas. Às vezes, embora não freqüentemente, é tomada no sentido de casa de Deus, quer dizer, como um templo onde os cristãos se reúnem para cumprir publicamente seus sagrados deveres, como em 1 Cor 14,34: Que as mulheres se mantenham em silêncio nas igrejas. Mas neste caso a palavra é usada metaforicamente, designando a congregação lá reunida, e desde então tem sido usada para designar o próprio edifício, para distinguir entre os templos dos cristãos e os dos idólatras. 0 templo de Jerusalém era a casa de Deus e a casa de oração, e assim todo edifício destinado pelos cristãos à adoração de Cristo é a casa de Cristo; por isso os padres gregos lhe chamavam kyriaké, a casa do Senhor, e a partir daí nossa língua passou a chamar-lhe kyrke e igreja. 21 Quando não é usada no sentido de uma casa, a palavra igreja significa o mesmo que Ecclesia significava nos Estados gregos, quer dizer, uma congregação ou assembléia de cidadãos convocada para ouvir falar o magistrado. A qual no Estado de Roma se chamava Concio, e aquele que falava era chamado Ecclesiastes e Concionator. E quando a assembléia era convocada pela autoridade legítima ela era chamada Ecclesia legitima uma igreja legítima, énnomos Ekklesía. Mas quando ela era perturbada por clamores tumultuosos e sediciosos era considerada uma igreja confusa, ekklesía synklexyméne. Às vezes a palavra também é usada para designar os homens que têm o direito de fazer parte da congregação, mesmo quando não se encontram efetivamente reunidos; quer dizer, para designar toda a multidão dos cristãos, por mais dispersos que possam estar. Como em Atos 8,3, onde se diz que Saulo assolava a Igreja. E neste sentido se diz que Cristo é a cabeça da Igreja. Às vezes a palavra também designa certa parte dos cristãos, como em Col 4,15: Saudai a igreja que está em sua casa. E às vezes também apenas no sentido dos eleitos, como em Ef 5,27: Uma Igreja gloriosa, sem manchas nem rugas, sagrada e sem mácula; o que se diz da Igreja triunfante, ou Igreja vindoura. Às vezes designa uma congregação reunida, cujos membros professam o cristianismo, quer essa profissão seja verdadeira ou fingida, conforme se verifica em Mt 18,17, onde se diz: Di-lo à Igreja e, se recusar ouvir a Igreja, que ele seja para ti como um gentio, ou um publicano.

E é apenas neste último sentido que a igreja pode ser entendida como uma pessoa, quer dizer, que nela se pode admitir o poder de querer, de pronunciar, de ordenar, de ser obedecida, de fazer leis, ou de praticar qualquer espécie de ação. Porque quando não há a autoridade de uma congregação legítima, seja qual for o ato praticado por um conjunto de pessoas trata-se de um ato individual de cada um dos que estavam presentes e contribuíram para a prática desse ato, e não um ato de todos eles em conjunto, como um só corpo; e muito menos um ato dos que estavam ausentes, ou que estando presentes não queriam que ele fosse praticado. Neste sentido, defino uma Igreja como uma companhia de pessoas que professam a religião cristã, unidas na pessoa de um soberano, a cuja ordem devem reunir-se, e sem cuja autorização não devem reunir-se.

E dado que em todos os Estados são ilegítimas as assembléias não autorizadas pelo soberano civil, também aquela Igreja que se reúna, em qualquer Estado que lhe tenha proibido reunir-se, constitui uma assembléia ilegítima.

Daqui se segue também que não existe na terra qualquer Igreja universal a que todos os cristãos sejam obrigados a obedecer, pois não existe na terra um poder ao qual todos os outros Estados se encontrem sujeitos. Existem cristãos, nos domínios dos diversos príncipes e Estados, mas cada um deles está sujeito àquele Estado do qual é um dos membros, não podendo em conseqüência estar sujeito às ordens de qualquer outra pessoa. Portanto uma Igreja que seja capaz de mandar, julgar, absolver, condenar ou praticar qualquer outro ato, é a mesma coisa que um Estado civil formado por homens cristãos, e chama-se-lhe um Estado civil por seus súditos serem homens, e uma Igreja por seus súditos serem cristãos. Governo temporal e espiritual são apenas duas palavras trazidas ao mundo para levar os homens a sé confundirem, enganando-se quanto a seu soberano legítimo. É certo que os corpos dos fiéis, depois da ressurreição, não serão apenas espirituais, mas eternos, porém nesta vida eles são grosseiros e corruptíveis. Portanto, nesta vida o único governo que existe, seja o do Estado seja o da religião, é o governo temporal. E não é legítimo que qualquer súdito ensine doutrinas proibidas pelo governante do Estado e da religião. E esse governante tem que ser um só, caso contrário segue-se necessariamente a facção e a guerra civil no país, entre a Igreja e o Estado, entre os espiritualistas e os temporalistas, entre a espada da justiça e o escudo da fé. E o que é mais ainda, no próprio coração de cada cristão, entre o cristão e o homem. Os doutores da Igreja são chamados pastores, e assim o são também os soberanos civis. Mas se entre os pastores não houver alguma subordinação, de maneira a que haja apenas um chefe dos pastores, serão ensinadas aos homens doutrinas contrárias, que poderão ser ambas falsas, e das quais uma necessariamente o será. Quem é esse chefe dos pastores, segundo a lei de natureza, já foi mostrado: é o soberano civil.

DO REINO DAS TREVAS
O autor pontua conceitos e estratégias que aludem às escrituras sagradas e suas aplicações cristãs: os rituais, as práticas sacerdotais, as relações entre os representantes da Igreja e o clero, expõe artifícios doutrinários e suas implicações na sociedade moderna, fazendo parâmetros com a sociedade medieval.

Para Hobbes “o reino das trevas” é a convergência das más interpretações das escrituras bíblicas, entendidas a partir do conceito de secularização do mundo moderno e da necessidade de separação entre religião e política (ou Estado e Igreja), pensamento defendido de forma incansável, até mesmo incontestável, por filósofos como Hannah Arendt, desde a Idade Moderna forças intelectuais buscam entendimento dos mecanismos que constituem as relações de poder e sociabilidade.

*By: Francisca Costa (introduçõ; parte I - Do homem e Do reino das trevas), Isabel Lima (Do Estado) e José Keilon Mourão (Da Igreja).
*Imagem: Capa Original do livro.
REFERÊNCIAS
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia política. 3ªed. Editora Atlas. São Paulo. 2008.
HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Tradução: Rosina D’Angina. Editora Matin Claret: São Paulo, 2009.
WEFFORT, Francisco C.(organizador). Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O Federalista. 8ªed. Editora Ática. São Paulo. 1997.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O crepúsculo de Drácula?

Como amante da sétima arte e fascinada pelo ser misterioso, sedutor, sombrio e atemporal que envolve a personalidade do drácula, vi este artigo e decidi compartilhá-lo...
Delicie-se!

"Cada época tem o Drácula que merece. As histórias de vampiro se incluem naquela categoria de mitos duradouros que, recontados de forma diferente em cada era, dizem muito sobre o espírito de seu tempo. Seguindo essa linha de pensamento, como interpretar o sucesso da saga literária Crepúsculo, da autora americana Stephanie Meyer - cujo subproduto mais recente, o filme Lua Nova, está em cartaz nos cinemas brasileiros? O que vampiros vegetarianos, que usam seus caninos afiados para perfurar alface e rúcula, têm a dizer sobre os tempos atuais? Para responder a essas perguntas, é necessário ir às origens do mito. Os primeiros relatos sobre as criaturas que um dia seriam conhecidas pelo nome de "vampiros" surgiram por volta do século 12. Durante mais de 200 anos, a superstição sobre o homem morto que volta à vida após o pôr do sol se disseminou pela Europa. A lenda começou a virar objeto de interesse cultural apenas no começo do século 19, quando o ítalo-britânico John Polidori escreveu o conto The Vampyre para a publicação inglesa New Monthly em 1819. O nobre errante que atraía mulheres inocentes para se alimentar de seu sangue foi inspirado em um companheiro de viagens chamado George Gordon Byron. Sim, ele mesmo, Lord Byron, o poeta que escreveu a mais arrebatadora versão do Don Juan (outro mito que atravessa eras) - e que se tornou popstar em sua época tanto pelos versos quanto pela vida aventurosa. De onde se depreende que a figura literária do vampiro é, na origem, romântica.
Em sua primeira encarnação literária importante, no entanto, o vampiro nada tinha de sedutor. Cada época, já se disse, tem o vampiro que merece, e o da era vitoriana é o Drácula, protagonista do romance de Bram Stoker escrito em 1897. Para confrontar a moral puritana daquele tempo, o autor criou um personagem que tinha mau hálito, pelos nas palmas das mãos e bigodinho branco. Todas essas características foram atenuadas na primeira versão cinematográfica do livro. O Drácula interpretado por Bela Lugosi no cinema, em 1931, tinha aspecto elegante, sotaque estrangeiro charmoso e modos formais. Apesar de ter formado a figura icônica do vampiro-mor, Bela Lugosi o interpretou desprovido de sexualidade. Essa pegada casta tem a ver com o fato de esse vampiro representar outra época, a da Grande Depressão. O filme não podia correr riscos financeiros em um mundo abalado pela crise de 1929.
O Drácula como conhecemos, de caninos afiados e mordidas no pescoço de belas mulheres, só ganhou esse aspecto no final da década de 50, quando foi encarnado no cinema por Christopher Lee. A força sexual do conde vampiro era evidente. Numa época em que o sexo era controlado por pensamentos autoritários, Lee mostrou suas presas antes de se debruçar no corpo entregue de sua amada, Mina Murray. Era a figura do libertino que a estudiosa Carol Fry, autora do artigo Fictional Conventions and Sexuality in Dracula ("Convenções Ficcionais e Sexualidade em Drácula"), publicado em 1972, dizia ser representada pelo homem que deixava marcas na mulher e a infectava a ponto de a vítima se tornar uma pária social. Mas o significado mais óbvio era o retrato do sexo enrustido da década de 50, um sexo reprimido sob a luz do dia, mas solto e tórrido no escuro do quarto.
Passado o período da revolução sexual, nos anos 60, esses seres românticos e calientes puderam finalmente se expressar livremente - e a figura do vampiro chegou a seu auge artístico em duas grandes obras-primas do cinema. A primeira é Nosferatu, O Fantasma da Noite, de Werner Herzog, de 1979. Poucas imagens são mais eróticas do que o corpo arfante de Isabelle Adjani no momento em que o vampiro de Klaus Kinski aproxima as presas da carne branquíssima de seu pescoço, num fotograma que lembra um quadro expressionista. "Não poder envelhecer é terrível. A morte não é o pior. Imagine durar séculos, vivendo a cada dia a mesma futilidade", diz o personagem em sua fala mais famosa.
O outro é o Drácula de Francis Ford Coppola, de 1992. Com o fim da era Reagan, o cineasta decidiu equilibrar a sedução do elegante conde vampírico, agora na pele charmosa de Gary Oldman, com sequências sexuais picantes. Provocou o Jonathan Harker de Keanu Reeves com três voluptuosas vampiras — uma delas, a atriz Monica Bellucci, no começo da carreira -, criou uma cena de bestialismo entre o Drácula semitransformado e a garota Lucy Westenra (Sadie Frost) e até chegou ao ponto de imaginar Mina (Winona Ryder) seduzindo Van Helsing (Anthony Hopkins). Apesar do apelo sexual, Drácula era um vampiro com o sentimento humano em busca do amor eterno. Era o reflexo da juventude que abraçou o Nirvana, principal banda do movimento roqueiro grunge - um ritmo cru em sua forma, mas extremamente romântico em sua natureza e letras.
De certa forma, a autora Stephanie Meyer captou o espírito dos adolescentes do nosso tempo quando lançou o primeiro capítulo da tetralogia literária Crepúsculo. O romantismo do Drácula de Gary Oldman agora ganhava uma versão assexuada na adaptação do fenômeno para as telas em 2008. Edward (Robert Pattinson), o grande amor proibido da humana Bella (Kristen Stewart), não morde pescocinhos e tem o corpo brilhante como diamante ao se expor ao sol. Vampiros ecológicos, politicamente corretos e vegetarianos. Você consegue imaginar algo melhor para representar a adolescência emo, que procura respostas para a depressão pós-moderna em príncipes encantados que mudarão suas vidas chatas? OK, cada época tem o vampiro que merece, e os livros e filmes da série Crepúsculo até têm um ou outro momento divertido. Parafraseando Nosferatu, no entanto, pior do que morrer no auge é enfrentar uma longa e lenta decadência. Como essa dos vampiros que, privados de seu alimento vital - romantismo, sexo e sangue - parecem condenados a viver um eterno e tedioso crepúsculo."
*Texto original de Rodrigo Salem, jornalista e editor da revista Contigo!.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O HOMEM ELEFANTE: quais são os traços característicos da sociabilidade?

O Homem elefante é o filme que remonta a história verídica, do final do século XIX, sobre o inglês John Merrick, portador de uma doença que provocou grandes deformidades em seu corpo. Tendo direção assinada pelo premiado diretor David Lynch e estrelado por Anthony Hopkins, como o dr. Frederick Treves que o estudou e relatou o fato em manuscritos posteriormente publicados na obra "Estudo da Dignidade Humana" de Ashley Montagu.
Treves foi o descobridor de Merrick que aos 21 anos de vida era exibido como espetáculo de circo, numa Londres de época, onde era vitima de maus tratos. O “homem elefante”, como era apresentado ao público, evidenciava "a versão mais degradante do ser humano", causava repulsa em todos que o viam. Sua deformação era proveniente de uma doença de nascença que foi diagnosticada posteriormente como "Síndrome de Proteus”, após exames no esqueleto de Merrick (um caso grave de neurofibromatose múltipla).
A película recebeu diversos prêmios dentre Oscars, Baftas e Césares em diferentes categorias. Fato totalmente cabível pelo teor simbólico lido no filme, todo rodado em preto e branco, dando uma carga a mais de dramaticidade ao caso.
Merrick se inseria na categoria de monstro não somente por sua deformidade física, mas pela aparente impossibilidade de comunicação, fato encorajado por seu estado de vida animalesca, desprovido de estimulos sociablizantes, sendo depois remediado por intermedio do medico que o acolheu e o “libertou” de sua dupla prisão: uma por seu algoz que o escravisava usando-o como fonte de renda; outra pela “prisão sem muros” que sua aparencia proporcionava e o isolava do convívio social na constante “vigilancia foulcaultiana” ao qual era vitimado.
Este ato mostra, de forma polida, o estado que se estabeleceu estruturalmente na tradição cultural e histórica contemporânea, o campo da loucura transformado no campo da enfermidade mental, defendida por Foucault. Ao atribuir em um louco o estatuto social de enfermo garante-lhe o direito à assistência e ao tratamento sob a proteção do Estado, momento simbolicamente representado pelo abrigo de Merrick no hospital e, ainda, na carta emitida pela Rainha Vitória aos “detentores do destino do doente”.
Lynch conseguiu mostrar de forma maestral no filme, as duas faces opostas do ser humano: seu lado literalmente grotesco, simbolizado pela aparencia fisica de Merrick, que nos remete a Thomas Hobbes quando disserta sobre o “estado de natureza” do homem. Por outro lado, tem a figura do médico, que por intermediar o processo de sociabilidade de Merrick; encontra-se em uma crise existencial ao se questionar sobre sua acertividade ao “ajudá-lo” encontrando-se, então, no “homem artificial” que busca redenção por seus atos.
Fatos que sequenciam dos espetaculos sociais aos quais Merrick protagoniza, primeiramente ao viver em um circo e depois ao se tornar objeto de “curiosidade” da alta sociedade londrina vitoriana.
Consta-se sobre a sociabilidade como algo de grande complexidade, dela dependem as necessidades de cada individuo, compartilhadas ou não, e de suas relações entre si, se erigem o capital social, defendido por Pierre Bourdieu. E mesmo Merrick em sua limitada rede de relacionamento seguiu um certo envolvimento social e dele obteve resultados, proveitosos ou não para si. Esta idéia é também defendida por Norbert Elias ao descrever aspectos da sociabilidade humana.
"A relação entre os individuos e a sociedade é uma coisa singular. Não encontra analogia em nenhuma outra forma de existência. Os seres humanos criam um cosmo especial próprio dentro do cosmo natural, e o fazem em virtude de um relaxamento dos mecanismos naturais (...) juntos, eles compõem um continuum sócio-historico em que cada pessoa cresce – como participante". (p.43.)
Por fim, fica velado pelo “homem elefante” do filme, o sentimento sobre o valor dado a algo que não se pode ter, representado no sentimento de correspondencia ao amor, ao vinculo martenal e ao simples modo de dormir, destituidos à Merrick, momento em que finda sua trajetória no filme, e isto se dá, somente após sua satisfação saciada de forma plena ao fruir da arte, como fechamento de seu proprio ciclo. Abstrai-se da figura de Merrick um sentimentalismo e sensibilidade que vão de encontro, de forma extrema, à sua aparencia grotesca, discutindo o caráter de complexibilidade da vida.
Em 2020 foi supostamente encontrado o túmulo de Merrick. Confira no artigo: 
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/saga-do-tumulo-perdido-de-john-merrick-o-homem-elefante.phtml
By Francisca Costa