domingo, 15 de maio de 2011

DO MITO FUNDADOR: Raça e aceitação


Através do tempo a história identifica diferentes argumentos que indicam o encontro entre as três raças e a formação do Brasil, constituídas do imaginário popular.
Dentre estes argumentos há os que causaram muitas injustiças, crueldades desumanas. É a partir deste contexto que a sociedade contemporânea está voltando-se, para a necessidade de retratar-se por arbitrariedades enraizadas em nossa cultura. Alguns teóricos, como Baudrillard, apontam para uma guarda que prima pelo exagero ou ironizam iniciativas “politicamente corretas” demais. Mas, reconhecidamente, sabemos que o sistema de cotas e Leis de proteção ao índio, devem servir como mínima reparação do que povos, desfavorecidos durante muitos séculos, sofreram.
A filósofa Marilena Chauí, trouxe à tona, essa discussão com o livro, Brasil: mito fundador e sociedade autoritária, lançado há mais de uma década, mas encontra-se tão atual quanto no momento festivo pelos “500 anos do Brasil”.
Ela faz uma análise minuciosa dos fatores que contribuíram para a construção ideológica da personalidade do povo brasileiro: vitimado por um território conquistado e explorado - em todos os sentidos aludidos à palavra -, através da expansão marítima. Diferente de uma terra literalmente “descoberta” pelo europeu. Ela já era habitada por um povo que possuía aspectos intricados, reconhecidos pelo estudo de seus fatos sociais totais.
 Analisa como se procedeu a criação desse mito, onde o dominador impõe suas vontades de forma natural, justificada pela vontade divina. Opõe-se à idéia de um Brasil intocado, um novo mundo profético esperando pelo europeu, cujos símbolos nacionais, músicas e literatura ainda o enaltecem. Com “riquezas sem igual”, que somos um povo pacífico “ordeiro e festivo” (CAMINHA), “abençoado por Deus e bonito por natureza” (BENJOR), com recursos naturais inesgotáveis. Seus argumentos desmascaram essa alegoria e apontam para o conformismo e a impotência de nossas indignações, corrompidas por essas mesmas idéias já cristalizadas e que apenas vêm sofrendo adaptações ao longo do tempo.
O Brasil é uma invenção histórica pela qual foi feita uma construção cultural de .estrutura bastante complicada. O Mito Fundador do Brasil se revela a partir daí, como um jogo de interesses que favorece uma minoria, que instaura seu poder de dominação, com idéias que deturpam a forma de percepção da realidade.
O Brasil estava inserido no idealismo europeu no “deslocamento das fronteiras do invisível (...) – alargando o visível [pelo deslocamento de fronteiras] e atando-o a um invisível originário Jardim do Éden”. Até a etimologia de seu nome “Braaz”, pelos fenícios e “Hy Brazil” pelos irlandeses, remetem a esta simbologia, como “lugar abençoado, onde reinam primavera eterna e juventude eterna, e onde homens e animais convivem em paz” (CHAUÍ, p. 59).
O europeu visava expandir seu comercio, valorizava as especiarias vindas do oriente, ao qual recebe esta designação pelo mesmo motivo, ser também mais um símbolo, por significar mais que um lugar ou uma região: além de ser símbolo do Jardim do Éden, “oriente significa o reencontro com a origem perdida e o retorno a ela” (CHAUÍ, p. 61).
A dualidade entre Deus e o diabo no Brasil era vista pelo europeu pelas diferenças entre o litoral e o sertão. Assim como é vista a “escravização dos índios e dos negros nos ensina que Deus e o Diabo disputam a Terra do Sol. Não poderia ser diferente, pois a serpente habitava o Paraíso” (CHAUÍ, p. 66).
Esse mito faz parte do imaginário popular. Uma imagem positiva, como a analisada pela autora através das Antigas Escrituras. Dentre tantas seqüelas, há ainda a que se repete a cada quatro anos quando imaginamos um desbravador, “descobridor” da pátria, que vai nos salvar e instituir esta riqueza para todos, Idéias que são arrefecidas a cada final de mandato. Mas este “desbravador” volta novamente com outras promessas. “o brasileiro tem memória fraca”, outra marca do mito.

 * Imagem: Ilustração feita por Beto Nicácio

REFERÊNCIAS
CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo, Editora Perseu Abramo: 2000.
Carta de Pero Vaz de Caminha.